quinta-feira, 21 de junho de 2012

Construção - Martha Medeiros


Quem não conhece o trabalho do poeta e escritor Fabrício Carpinejar está
em tempo. Abro esta crônica com uma citação extraída da ótima entrevista
que ele deu para a revista “Joyce Pascowitch”: “O início da paixão é 
estratosférico, as pessoas não param quietas exibindo tudo que podem fazer.
Depois passam a confessar o que realmente querem. A paixão é mentir tudo
o que você não é. O amor é começar a dizer a verdade.”


É mais ou menos isso. No começo, a sedução é despudorada, inclui, não diria
mentiras, mas um esforço de conquista, uma demonstração quase acrobática 
de entusiasmo, necessidade de estar sempre junto, de falarem-se várias vezes 
por dia, de transar dia sim, outro também. A paixão nos aparta da realidade, 
é um período em que criamos um universo paralelo, é uma festa a dois em que, 
lógico, há sustos, brigas, desacordos, mas tudo na tentativa de se preparar para 
algo muito maior. O amor.


É aí que a cobra fuma. A paixão é para todos, o amor é para poucos. 
Paixão é estágio, amor é profissionalização.


Paixão é para ser sentida; o amor, além de ser sentido, precisa ser pensado. 
Por isso tem menos prestígio que a paixão, pois parece burocrático, um 
sentimento adulto demais, e quem quer deixar de ser adolescente?




A paixão não dura, só o amor pode ser eterno. Claro que alguns casais 
conseguem atingir o sublime — amarem-se apaixonadamente a vida inteira, 
sem distinção das duas “eras” sentimentais. Mas, para a maioria, chega o 
momento em que o êxtase dá lugar a uma relação mais calma, menos tórrida, 
quando as fantasias são substituídas pela realidade: afinal, o que se construiu 
durante aquele frenesi do início? Uma estrutura sólida ou um castelo de areia?


Quando a paixão e o sexo perdem a intensidade é que aparecem os outros 
pilares que sustentam a história — caso eles existam. O que alicerça de fato 
um relacionamento são as afinidades (não podem ser raras), as visões de mundo 
(não podem ser radicalmente opostas), a cumplicidade (o entendimento tem que 
ser quase telepático), a parceria (dois solitários não formam um casal), a alegria 
do compartilhamento (um não pode ser o inferno do outro), a admiração mútua 
(críticas não podem ser mais frequentes que elogios) e, principalmente, a amizade 
(sem boas conversas, não há futuro). Compatibilidade plena é delírio, não existe,
mas o amor requer ao menos uns 65% de consistência, senão o castelo vem abaixo.


O grande desafio dos casais é quando começa a migração do namoro para algo
mais perene, que não precisa ser oficializado ou ter a obrigação de durar para 
sempre, mas que já não se permite ser frágil. Claro que todos querem se apaixonar, 
não há momento da vida mais vibrante. Mas que as “mentirinhas” sedutoras lá do 
começo tenham a sorte de evoluir até se transformarem em verdades inabaláveis.


Email: martha.medeiros@oglobo.com.br

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